Mudança na carreira de pesquisadores: associação irá à Justiça contra lei de Tarcísio aprovada na Alesp
15/10/2025
(Foto: Reprodução) ALESP aprova mudanças nas carreiras de pesquisadores públicos
A Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC) anunciou na noite desta terça-feira (14) que vai ingressar na Justiça com ação contra a lei complementar aprovada na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) que muda a carreira de pesquisador científico no estado.
O texto proposto pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) foi aprovado com o número mínimo de 48 votos a favor, depois que dois deputados da base do governo alteraram seus votos de não para sim --Thiago Auricchio (PL) e Sebastião Santos (Republicanos). Para entrar em vigor, ainda depende de sanção do governador, que tem prazo de 15 dias.
O que prevê a proposta:
👉 O texto acaba com o regime de tempo integral dos cientistas do estado, referência na produção de conhecimento nos institutos e universidades públicas
👉 O projeto cria ainda 18 níveis de progressão de carreira do grupo, que atualmente tem seis etapas até chegarem no topo da profissão. Para a entidade, essa fragmentação vai tornar a carreira menos atrativa.
Atualmente, 914 cientistas atuam em 16 institutos públicos de pesquisa em São Paulo, como o Instituto Butantan, o Instituto Adolfo Lutz e o Instituto Biológico.
Para a APqC, o projeto representa um “desmonte no sistema de ciência e tecnologia do Estado, desestruturando a profissão e os institutos estaduais que têm esse tipo de profissionais”.
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“Diante da aprovação, iremos entrar com uma ação na Justiça, porque as pesquisas públicas estão ameaçadas e a sociedade será duramente afetada”, afirma Helena Dutra Lutgens, presidente da APqC.
"Muitos institutos de pesquisa já lutam para manter suas linhas de trabalho ativas por falta de servidores. Fragmentar ainda mais a carreira vai torná-la menos atrativa e empurrar a pesquisa pública paulista para um processo inevitável de enfraquecimento", comenta Lutgens.
É uma medida extremamente arbitrária, irresponsável, que vai destruir um sistema de avaliação, que evoluiu e se aperfeiçoou ao longo de 50 anos para criar não sabemos o que no lugar, uma vez que a lei não detalha, e também não sabemos os verdadeiros motivos que estão por trás desse desmonte.
Segundo a APqC, ao acabar com o Regime de Tempo Integral (RTI) e criar um Regime de Dedicação Exclusiva, a proposta “não encontra amparo na legislação voltada à pesquisa". A Comissão Permanente do Regime de Tempo Integral (CPRTI) também foi extinta.
O órgão estadual é composto por representantes eleitos de todas as áreas do conhecimento dos institutos, terá composição definida por meio de decreto.
Prédio do Instituto Butantan na Zona Oeste de São Paulo.
Divulgação
Tramitação
Durante toda a tramitação na Alesp, o projeto sofreu resistência da APqC e de mais de 30 associações e outros órgãos públicos e universitários do estado.
“A retirada do RTI (regime de tempo integral), substituído por uma jornada ordinária de 40 horas semanais, em RDE-Regime de Dedicação Exclusiva, representa, além de um retrocesso, um grave comprometimento da qualidade, da continuidade e da sustentabilidade das atividades científicas”, afirma a Associação dos Docentes da Unicamp (Adunicamp).
O placar foi de 48 a 1, porque os deputados de partidos de oposição ao governo, como o PT e o PSOL, não registraram seus votos. Como as votações necessitam de um quórum mínimo para serem válidas, os parlamentares contrários ao governo adotam como estratégia só registrarem voto após o projeto ser aprovado, sob o risco de a votação cair.
Já o aditivo enviado pelo próprio governo com alterações ao projeto inicial foi aprovado por 49 a 17.
Cientistas a favor do projeto também estiveram nas galerias da Alesp, demonstrando apoio ao texto aprovado. Para Maria Izabel Medeiros, pesquisadora da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta), o texto valoriza o pesquisador científico.
"Principalmente os que estão iniciando. Os que estão no final da carreira ou aposentados não serão prejudicados. Mas eu sou nível 6, estou na ativa e o meu aumento será mais ou menos em torno de 30%, para mim é ótimo. Num período de anos ficamos sem nenhum reajuste. São muitas pessoas que vão se beneficiar e ser mais valorizadas", ponderou.
Em relação à progressão de carreira, a pesquisadora reconhece que "pode até demorar mais um pouquinho mais de tempo", mas que observa que haverá um tempo menor para passar para o outro nível.
Fachada Alesp Assembléia Legislativa do Estado de São paulo
Reprodução/ Rede Globo
Principais mudanças
Para os pesquisadores, a principal mudança é o fim do Regime de Tempo Integral, que prevê:
Dedicação plena — o servidor dedica-se inteiramente às atividades de investigação científica, vedando-se outras atividades remuneradas ou não, salvo algumas exceções específicas;
Remuneração adicional — recebem acréscimo salarial por tempo de serviço no regime;
Não define uma carga horária para a jornada de trabalho.
Já o novo projeto de lei mantém a dedicação exclusiva, mas institui uma jornada de trabalho de 40 horas semanais, o que para os pesquisadores engessaria o trabalho.
O texto também retira da Comissão Permanente do Regime de Tempo Integral (CPRTI) a atribuição de avaliar o desempenho dos pesquisadores, o que segundo a APqC abre espaço para interferência política.
Atualmente, a Comissão Permanente do Regime de Tempo Integral (CPRTI) é composta por 12 membros escolhidos pelos próprios cientistas e um de escolha do governo. O substitutivo enviado por Tarcísio à Alesp e que foi aprovado nesta terça mantém o arranjo, mas defende a integração da comissão aos órgãos setoriais de gestão de pessoas.
O novo texto também prevê ampliar para 18 etapas profissionais para chegar ao topo da carreira, atualmente são apenas seis. Segundo a APqC, essa ampliação proposta pelo texto do governo pode inviabilizar a progressão de carreira dentro da pesquisa científica em São Paulo e a atratividade para entrada de novos pesquisadores na carreira.
O que disse a gestão Tarcísio
Em junho, quando enviou o projeto, o governo de São Paulo disse que as críticas apresentadas pela APqC não se sustentavam "tecnicamente, e parecem motivadas apenas por oposição genérica, sem respaldo jurídico ou funcional”.
“A alegação de extinção do Regime de Tempo Integral (RTI) desconsidera que ele foi tecnicamente substituído pelo Regime de Dedicação Exclusiva (DE), que preserva integralmente sua função: garantir dedicação exclusiva, ética e imparcialidade na atuação dos pesquisadores”, afirmou a gestão Tarcísio.
“O novo regime, inclusive, é o mesmo adotado por carreiras de Estado como Procuradores do Estado, Delegados de Polícia, Fiscais da Receita Estadual e Pesquisadores da Embrapa, demonstrando sua adequação funcional e jurídica."
"Além disso, a proposta permite controle da jornada com base em entregas, metas, planos e produtos científicos, respeitando a autonomia técnica da atividade de pesquisa”, afirmou, em nota.
Dos 914 cientistas que o estado de São Paulo tem atualmente, 434 são ligados atualmente à área da Agricultura, 319 da Saúde, 121 da área do Meio Ambiente e outros 40 do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Os pesquisadores representados pela APqC atuam nos institutos:
Agricultura (434 pesquisadores): APTA Regional, Instituto Agronômico de Campinas (IAC), Instituto Biológico, Instituto de Economia Agrícola (IEA), Instituto de Pesca, Instituto de Tecnologia de Alimentos, Instituto de Zootecnia (Integram a Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento);
Saúde (319 pesquisadores): Instituto Adolfo Lutz, Instituto Butantan, Instituto Dante Pazzaneze de Cardiologia, Instituto Lauro de Souza Lima, Instituto Pasteur, Instituto da Saúde, SUCEN, Laboratório de Investigação Médica-LIM HC-USP (Integram a Secretaria de Estado da Saúde);
Meio Ambiente (121 pesquisadores): Instituto Florestal, Instituto de Botânica, Instituto Geológico (Integram a Secretaria de Estado do Meio Ambiente, infraestrutura e logística).