Ruy Ferraz já escapou de plano do PCC para matá-lo em 2010 e foi salvo pelo então tenente da Rota Guilherme Derrite, conta promotor
16/09/2025
(Foto: Reprodução) Ruy Ferraz já escapou de plano do PCC para matá-lo em 2010, diz Lincoln Gakiya
Executado a tiros no litoral de São Paulo na tarde desta segunda-feira (15), o ex-delegado-geral do estado Ruy Ferraz Fontes já tinha escapado de um plano da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) para assassiná-lo em 2010, segundo o promotor Lincoln Gakiya, que investiga o crime organizado.
Em entrevista à GloboNews, Gakiya contou que ele mesmo descobriu o plano da facção para assassinar Ruy Ferraz Fontes na saída do 69° Distrito Policial, na Zona Leste da capital paulista.
Na época, Gakiya era promotor criminal na Comarca de Presidente Venceslau, no interior de São Paulo, para onde estavam sendo levados todos os líderes do PCC no estado.
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Em 2010, graças a uma investigação minha, nós conseguimos salvar a vida do doutor Ruy porque assassinos do PCC iriam matá-lo defronte ao 69° DP, na Grande SP. Nós conseguimos acionar a Rota e, se não me engano, quem atendeu essa ocorrência foi o então tenente Guilherme Derrite – hoje secretário de Segurança Pública – e logramos êxito em prender dois assassinos com fuzis, que estavam lá a mando do PCC naquela época, para assassinar o doutor Ruy.
O ex-delegado geral de SP, Rui Ferraz Fontes, e o ex-tenente da Rota, Guilherme Derrite, atual secretário da Segurança Pública de SP.
Montagem/g1/Reprodução/Redes Sociais
Segundo o promotor, desde 2006, o delegado Ruy Ferraz era jurado de morte por membros da facção criminosa, por ter sido o idealizador do projeto que concentrou todas as lideranças do PCC no presídio de segurança máxima de Presidente Venceslau.
“O Ruy era o policial do país que mais entendia de PCC. Trabalhou nessas investigações desde o início. Ele estava jurado de morte pelo PCC desde 2006. E foi um dos responsáveis pela ideia de transferir todas as lideranças do PCC para um único presídio, que era a Penitenciária II de Presidente Venceslau. O Ruy foi um dos idealizadores dessa ideia naquela época”, disse à GloboNews.
Segundo o promotor, que atua no Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado de SP (Gaeco), "isso foi reconhecido como uma afronta ao crime organizado".
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Alerta
O promotor Lincoln Gakiya, que investiga o crime organizado dentro do Ministério Público de São Paulo.
Reprodução/GloboNews
O promotor lamentou o assassinato do antigo colega e alertou para a necessidade de autoridades que investigam o crime organizado terem proteção policial mesmo após a aposentadoria.
O próprio Gakiya é uma dessas autoridades que trabalham há mais de 25 anos investigando o crime organizado e deve deixar o Ministério Público nos próximos anos.
“Quando uma autoridade como o doutor Ruy Ferraz Fontes é assassinado, todos nós ficamos consternados. Pra mim, hoje, é um dia a se lamentar. E para que todos nós façamos uma reflexão de quais os rumos que a Segurança Pública está tomando nesse país, que caminha a passos largos para se tornar um narcoestado”, afirmou.
O promotor ressaltou que, após se aposentar, Ruy não tinha mais nenhuma proteção do estado.
"Me parece que uma autoridade que dedicou mais de 40 anos ao combate ao crime organizado deveria ter alguma proteção do estado. Venho brigando por isso. Não é pela minha situação em particular, é por todos os policiais que já morreram em serviço. O Ruy, infelizmente, é mais um deles, que viraram estatística do estado”, declarou.
Na avaliação dele, o "PCC hoje é uma máfia e, como máfia, eles não perdoam".
"A execução tarda, mas não falha. Nós tivemos a morte do Machado Dias em 2003, em 2005 o assassinato do doutor Ismael Pedrosa, que foi diretor da Casa de Custódia de Taubaté e também do Carandiru, em 1990. Ele foi morto aos 70 anos, depois de seis anos de aposentado. Foi fuzilado em Taubaté. E agora a gente vê essa cena se repetir com o doutor Rui Ferraz Fontes”, afirmou.
Investigação policial
Ruy Ferraz Fontes foi executado a tiros em Praia Grande, SP
Prefeitura de Praia Grande e Reprodução
A investigação sobre a execução do ex-delegado-geral da Polícia Civil paulista, Ruy Fontes, morto na segunda-feira (15) no litoral, tem duas suspeitas principais para a motivação do crime:
Vingança em razão da atuação histórica de Ruy Fontes contra os chefes do PCC
Reação de criminosos contrariados pela atuação dele à frente de Secretaria de Administração da Prefeitura de Praia Grande.
Ruy Ferraz Fontes tinha 68 anos e foi assassinado a tiros na tarde da segunda em Praia Grande. O delegado-geral, Arthur Dian, foi para o litoral para acompanhar o início das investigações.
O governador Tarcísio de Freitas determinou mobilização total da polícia, com a criação de uma força-tarefa para identificar os assassinos.
“Estou estarrecido. É muita ousadia. Uma ação muito planejada, por tudo que me foi relatado. O delegado Ruy percebeu que estava sendo atacado, tentou escapar da emboscada, mas foi covardemente assassinado”, afirmou o governador.
A força-tarefa, segundo Tarcísio, envolverá o Deic e o DHPP, principalmente. Ambos os departamentos contam com policiais que têm muitos informantes no crime organizado e que podem ajudar a elucidar a execução de Ruy.
O ex-delegado-geral atuou há mais de 20 anos na prisão de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, e no combate ao Primeiro Comando da Capital (PCC) no estado.
O que se sabe sobre a execução do delegado Ruy Ferraz Fontes em SP
Carro suspeito de ter sido usado no atentado contra delegado é encontrado incendiado
Criminosos atiraram mais de 20 vezes em atentado contra delegado
Veja o passo a passo da execução do delegado
Ruy Ferraz Fontes foi assaltado com arma na cabeça um ano antes de execução
Câmeras de segurança gravaram o momento em que criminosos em um carro perseguem o veículo da vítima, que bate em um ônibus. Em seguida, o grupo desembarca do automóvel e atira em Ruy (veja vídeo nesta reportagem).
Delegado Ruy Ferraz Fontes é executado a tiros em Praia Grande, SP
"Estou em choque, fui o último a falar com ele [por telefone]", disse ao g1 Marcio Christino, ex-promotor que atuou no combate à facção e seus chefes, no início dos anos 2000, com Ruy, que à época era delegado no Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), na capital paulista. Atualmente, Christino é procurador de Justiça.
Christino chegou a mencionar a atuação de Ruy como delegado contra o Primeiro Comando da Capital no livro "Laços de sangue: A história secreta do PCC", que escreveu com o jornalista Claudio Tognolli. Foram mais de 40 anos como policial.
O ex-delegado-geral comandou a Polícia Civil paulista entre 2019 e 2022, quando foi indicado pelo então governador João Doria, à época no PSDB. Ele também atuou no Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), no Departamento Estadual de Investigações contra Narcóticos (Denarc) e no Departamento de Polícia Judiciária da Capital (Decap).
"[Ruy] foi uma das pessoas que prendeu o Marcola ao longo da história do PCC, que esteve passo a passo nesse enfrentamento ao PCC, e ser executado dessa maneira. Isso mostra, infelizmente, o poderio do crime organizado, a falta de controle que o crime organizado tem dentro do Brasil, dentro do estado de São Paulo. É uma ação extremamente ousada", disse Rafael Alcadipani, professor da Faculdade Getulio Vargas e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Formado em direito pela Faculdade de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, Ruy se tornou delegado depois e começou a investigar o PCC no início dos anos 2000. Quando esteve no Deic, participou das prisões de alguns dos chefes da facção, incluindo Marcola, por tráfico de drogas, formação de quadrilha e outros crimes relacionados ao grupo criminoso.
Ex-delegado-geral de SP é assassinado no litoral de SP
Em 2006, ele e sua equipe de policiais indiciaram Marcola e a cúpula do Primeiro Comando da Capital.
Segundo Christino, ele, Ruy e todas as autoridades, sejam elas do MP ou da polícia que atuaram no combate à facção, já foram ameaçadas antes pelo PCC. "Ele [Ruy], eu e todos que trabalharam naqueles casos, inclusive nos ataques de 2006."
Em 2006, ordens do PCC de dentro das cadeias determinaram uma série de ataques contra agentes de segurança pública devido à decisão do governo paulista de transferir as lideranças da facção, incluindo Marcola, para o presídio de segurança máxima de Presidente Venceslau, no interior do estado.
Indagado se Ruy lhe contou se estava recebendo ameaças recentemente, Christino respondeu que "não".
Infográfico - Dr. Ruy Ferraz é morto a tiros em praia Grande
Arte/g1